sexta-feira, 21 de março de 2008

A serpente e o vaga - lume


Conta-se que uma serpente começou a perseguir um vaga-lume.
Fugiu um dia e ela não desistia, dois dias e nada.
No terceiro dia, já sem forças, o vaga-lume parou e disse à cobra:
Posso lhe fazer três perguntas?
- Pertenço à tua cadeia alimentar?
- Não.
- Eu te fiz algum mal?
- Não.
- Então, por que você quer acabar comigo?
E a serpente responde:- Porque não suporto ver você brilhar...Pense nisso!

Infelizmente, a qualquer momento, uma cobra pode cruzar nosso caminho...
Esteja sempre alerta, pois o que não faltam são as serpentes querendo nos atrapalhar!
Mas, não tenha medo!
Não fuja!
Brilhe sempre, com muita intensidade!

sexta-feira, 14 de março de 2008

Quando a escola é de vidro


Eu ia para a escola todos os dias de manhã e quando chegava, logo, logo, eu tinha que me meter no vidro.
É, no vidro!
Cada menino ou menina tinha um vidro e o vidro não dependia do tamanho de cada um, não! O vidro dependia da classe em que a gente estudava.
Se você estava no primeiro ano, ganhava um vidro de um tamanho. Se você fosse do segundo ano, seu vidro era um pouquinho maior. E assim, os vidros iam crescendo à medida que você ia passando de ano.
Se não passasse de ano, era um horror. Você tinha que usar o mesmo vidro do ano passado.
Coubesse ou não coubesse.
Aliás, nunca ninguém se preocupou em saber se a gente cabia nos vidros. E para falar a verdade, ninguém cabia direito.
Uns eram muito gordos, outros eram muito grandes, uns eram pequenos e ficavam afundados no vidro, nem assim era confortável.
A gente não escutava direito o que os professores diziam, os professores não entendiam o que a gente falava, e a gente nem podia respirar direito...
A gente só podia respirar direito na hora do recreio ou na aula de Educação Física. Mas aí já estávamos desesperados de tanto ficar preso e começava a correr, a gritar, a bater uns nos outros...

Referência
ROCHA, Ruth

quinta-feira, 13 de março de 2008

Tanchemos boas estacas


O verbo tanchar já caiu da moda. Quase só se usa no antigo provérbio: “Quem muitas estacas tancha, alguma lhe há de tachar”. Mas deixemos passar o têrmo arcaico. Quem viaja nos grandes rios ou em certos mares nota que o piloto está sempre a observar as balizas que marcam o canal. Sem esses balizas é inevitável o encalhe ou abalroamento da embarcação. Essas balizas são, muitas vezes, simples estacas tanchadas ao longo do canal. O barco da nossa vida navega em rios tortuosos. Aqui, um banco de areia, ali um escolho. Ah! Se não estiver bem balizado o canal! “Mas quem nos tanchará as estacas-baliza?” – Nós mesmos. O moço já sabe que aquela leitura lhe foi prejudicial – tanche ali uma estaca. Aquela taberna causou tanto mal à sua vida passada – tanche ali uma estaca. A mesa do pano verde quanta lágrima já fez derramar a sua família! Tanche ali uma estaca. Já sabe que aquele é um mau inimigo, tanche ali uma estaca.Aí está um roteiro traçado pela experiência pessoal.(p.10)


REFERÊNCIA

LUSTOSA, Antônio de Almeida. Respingando. 2˚ Volume. Imprensa Universitária do Ceará: Fortaleza, s/d.

Carbono para planejamento


- Alô, é da casa de D. Mariazinha?
- Sim, com quem deseja falar?
- Com a própria. Aqui é Carmem, lá da mesma escola onde ela trabalha.
- Pode falar Carmen, aqui quem fala é Mariazinha.
- Mas que ótimo te pegar em casa. É sobre o maldito planejamento do ensino. Eu nem sei por onde começar e o meu diretor quer essa coisa pra amanhã cedo.
- Olha: peque o mesmo do ano passado. Muda uma ou duas sentenças e entregue. Todo mundo faz isso...
- Só que eu comecei a lecionar este ano, sabe? E a outra professora que eu substituí nem tinha plano. Dá pra você me ajudar?
- Eu aqui em casa só tenho a minha cópia carbono. Acho que ela não dá xérox – está meio apagada...
- Cópia carbono?
- Lá na escola quem faz o plano é a D. Chiquita. Ela datilografa as cópias com carbono para facilitar. Imagine se eu vou perder tempo com isso. O diretor nem verifica: ele pega, dá uma olhada por cima e tranca na gaveta.
- É mesmo é? E você tem por acaso o telefone da Chiquita? Vou entrar nessa também!
- Deixa eu ver... aqui está: 23-8166. Só que ela cobra, viu?
- Cobra? Quanto?
- Serviço profissional, minha filha! Ou você acha que a colega ia trabalhar de graça! Já basta a exploração do governo. E com essa inflação, não sei o preço atual do plano. Mas vale, viu? Vem com capa e bem datilografado. Máquina elétrica e tudo... nem precisa revisar...
- Obrigado pela recomendação. Vou ligar agora mesmo pra casa dela pra encomendar. Um abração, tá!
- Só mais um conselho antes de desligar: guarde uma cópia com você. Assim no ano que vem você não precisa tirar dinheiro do bolso de novo. É isso aí, tchau!

Referência
SILVA, Ezequiel Theodoro da. Magistério e mediocridade. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001. pp. 35 e 36.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Marca de giz

Quando eu estava no meio do curso colegial, meu professor de inglês fez uma pequena marca de giz no quadro negro. Um ponto exatamente como esse que está aí em baixo.
Ele perguntou à turma o que era aquilo. Passados alguns segundos, alguém disse:
- É uma marca de giz no quadro negro.
O resto da classe suspirou de alívio, porque o óbvio foi dito e ninguém tinha mais nada a dizer.
- Vocês me surpreenderam – o professor falou, olhando para o grupo.
- Fiz o mesmo exercício ontem, com uma turma do jardim da infância, e eles pensaram em umas cinqüenta coisas diferentes: o olho de uma coruja, uma ponta de charuto, o topo de um poste telefônico, uma estrela, uma pedrinha, um inseto esmagado, um ovo podre e assim por diante. Eles realmente estavam com a imaginação a todo vapor.
- Nos dez anos que vão do jardim da infância ao colegial, nós tínhamos aprendido a encontrar a resposta certa, mas também havíamos perdido a capacidade de procurar outras respostas certas. Tínhamos aprendido a sermos específicos, mas havíamos perdido muito em capacidade imaginativa. Como bem observou o educador Neil Postman: quando as crianças vão para a escola, são pontos de interrogação; quando saem, são frases feitas.

REFERÊNCIA
CENTRO NORDESTINO DE EDUCAÇÃO/ANIMAÇÃO POPULAR. Almanaque de metodologia da educação popular. Recife: CEPE, s/d.

O rio e o leão


Depois de uma grande enchente, o leão viu-se cercado por um rio e ficou sem saber como sair dali. Nadar não era de sua natureza, mas só lhe restavam duas opções: atravessar o rio ou morrer. O leão urrou, mergulhou na água, quase se afogou, mas não conseguiu atravessar, Exausto, deitou para descansar. Foi quando escutou o rio dizer:
- Jamais lute com o que não está presente.
Cautelosamente, o animal olhou em volta e perguntou:
- O que não está aqui?
- O seu inimigo não está aqui – respondeu o rio. – Assim como você é um leão, eu sou apenas um rio.
Ao ouvir isso, o leão, muito sereno, começou a estudar as características do rio. Logo identificou um certo ponto em que a correnteza empurrava para a margem e, entrando na água, conseguiu boiar até o outro lado.

REFERÊNCIA
PRATHER, Hugh. Não leve a vida tão a sério. Rio de Janeiro: Sextante, 2003.

Negação da experiência pedagógica: o muito pelo pouco

Nesta sociedade, onde tudo é mercado, o conhecimento também vira mercadoria. Nem vou falar de escola particular, pois quem a paga sente muito bem o peso das mensalidades, o custo da mercadoria...
Quero falar, isso sim, dos cursos de extensão ou de aperfeiçoamento, oferecidos aos professores na forma de reciclagem ou treinamento. A transformação de muitos desses cursos em verdadeiros rituais totêmicos merece ser refletida.
As chamadas “inovações pedagógicas”, enlatadas e vendidas por gurus de fala grossa, circulam pelos desertos do magistério conforme as estações da moda: neste semestre, esta proposta; no semestre que vem, aquela abordagem. Nesse veste-desveste de propostas, teorias, abordagens, inovações etc. etc., os professores se sentem eternamente como seres desnudos e desnucados.
A imagem do manequim de vitrina cabe bem aqui. Oco. Sem rosto, Parado, Pé de ferro, Que é enfeitado, trocado, quando chegam as novas mercadorias. Que é retirado de cena, quando não cumpre a sua função de venda.
Outra imagem que também cabe é aquela do espantalho. Recheado de palha. Feição assustadora. Preso a um caibro para ser movimentado de quando em vez. Que é talhado com roupas velhas no sentido de afugentar os pássaros curiosos. Que fica sempre de braços abertos, receptivo, tal o Cristo Redentor.
- Esqueçam tudo que estão fazendo e o que já fizeram em classe – diz o arauto da inovação. Agora o novo jeito de ensinar é este e somente este.
E toda a história profissional, vivida pelo professor ao longo do tempo, segue bueiro abaixo. “Puxa, só estou fazendo burrada em sala de aula!” – pensa inocentemente consigo mesmo, não relativizando nada.
O eterno substituir na esfera do magistério mais parece um edifício sem base, flutuando ao sabor dos ventos soprados pelos gurus e passível de ruir com um leve toque dos dedos.
Quem, sem consciência, nega a sua experiência, nega a sua condição de sujeito. A menos que o professor, por ser masoquista, já tenha se acostumado ao papel de manequim ou espantalho – um direito que lhe cabe, sem dúvida alguma. Cabe para si, mas talvez não caiba aos seus alunos...


Referência
SILVA, Ezequiel Theodoro da. Magistério e mediocridade. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001.

A muleta da vovó

Era uma professora recém formada em magistério de 2° grau. Enfrentava, nesse momento, a pesada responsabilidade de alfabetizar uma classe de 34 crianças.
Eu estava sentado lá no fundo da sala. Já tinha perdido a devida autorização para observar a aula. Intuito: sentir mais de perto as práticas pedagógicas na área da alfabetização. Na época, 1977, eu havia sido convidado para organizar uma cartilha, coisa que, felizmente, nunca foi concretizada.
Sobre a mesa do professor um roteiro de aula, que, de onde eu estava, não dava para ver tamanho nem formato. Bom saber que nestes tempos ainda há professores que planejam e roteirizam as suas ações, contrapondo-se à famigerada improvisação.
Diz à classe:
- Copiem as duas palavrinhas que vou escrever na lousa.
E escreve, uma embaixo da outra, lendo em voz alta:
- Mata-borrão, tinteiro.
As crianças, de “esferográfica” em punho, começam a copiar, sempre lembrando que não deveriam se esquecer de cortar o tê.
Ao passeio da professora pelas fileiras, checando as cruzadinhas dos tês, vejo-me com um sentimento de espanto e estranheza frente às duas palavras selecionadas para a lição: mata-borrão, tinteiro. De que diabo de lugar ela tinha retirado tais palavras?
Arrisco, bem baixinho, uma pergunta ao garoto sentado na fileira ao lado:
- Você sabe o que é mata-borrão?
- Sei lá. Acho que é bandido. Assassino.
Meu pensamento corre longe no restante da aula. Volto aos meus tempos de escola primária na década de 50. Caneta de pena, tinteiro e mata-borrão faziam parte do material que eu levava à escola. Molhávamos a pena no tinteiro que ficava num recipiente colocado no topo da carteira, escrevíamos no caderno de caligrafia e passávamos o mata-borrão por cima para sugar o excesso de tinta, não borrar a folha.
Bate o sinal. Eu acordo e corro lá na frente para saciar a minha curiosidade.
- De onde você tirou aquelas duas palavras para os alunos copiarem?
- Quais duas?
- Mata-borrão e tinteiro.
- Ah, sim. Deste meu roteiro aqui – uma preciosidade que herdei da minha avó. Ela também foi professora. A melhor alfabetizadora da região. Sigo direitinho as suas instruções.
E mostrou-me um caderno meio roto, desgastado pelo tempo e pelo uso. Escrito naquelas antigas letras de cartório. Cheirava a cravo-de-defunto. Bisbilhotei a lição do dia, onde encontrei, à página 17, as seguintes instruções: “Na 6a aula, vós deveis fornecer um exercício de cópia com palavras ‘mata-borrão’ e ‘tinteiro’”.
Nas mãos da professora a muleta da vovó. Na cabeça dos alunos mata-borrão = assassino.

Referência
SILVA, Ezequiel Theodoro da. Magistério e mediocridade. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
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